A Fita Branca – Um filme sobre culpa e castigo
“Como pode haver tanta gente que gosta de conviver com os tiranos e que nem um só tenha inteligência e ousadia que bastem para lhes dizer o que a raposa respondeu ao leão que se fingia doente: “De boa mente entraria no teu covil; mas só vejo pegadas de bichos que entram e nenhuma dos que dele tenham saído”.
(Étienne de La Boétie – Discurso Sobre a Servidão Voluntária)
A Fita Branca mostra a vida em uma aldeia da Alemanha pouco antes do início da primeira guerra mundial. Na aldeia, a máxima autoridade política é o barão, para quem quase todos trabalham, e a máxima autoridade religiosa é o pastor, que educa seus filhos de forma autoritária - infringindo castigos morais e físicos sobre qualquer desvio de conduta. A fita branca que dá título ao filme é uma fita que o pastor amarra no braço de seu filho mais velho e no cabelo de sua filha mais velha – ambos adolescentes - para que se lembrem da “inocência” e da “pureza” perdida da infância. Em uma cena impressionante do filme, a filha mais velha do pastor desmaia como única saída para a pressão psicológica imposta pelo pai.
Nessa aldeia, as aparências e os papéis sociais ocultam famílias marcadas pela culpa e pela moral, onde as grandes vítimas são as crianças e as mulheres.
A culpa e o castigo são as grandes estrelas do filme de Michael Heneke. O filme mostra que o fascismo, longe de ser algo imposto por um Estado aos indivíduos, é algo presente que é reproduzido em uma sociedade onde os valores estão fundamentados na culpa e no castigo.
Logo no início do filme, o narrador - que também é um dos personagens da história - nos avisa que os fatos acontecidos na aldeia poderiam explicar outros fatos da história alemã alguns anos depois. O filme termina com o início da primeira guerra mundial.
A história alemã nos evidencia que durante a primeira guerra mundial, sindicatos de trabalhadores já influenciados pela revolução russa de 1917 promoveram várias greves, resultado da ausência de entendimento entre trabalhadores, patrões e o governo exercido de fato pelos militares durante a guerra. Em novembro de 1918, social-democratas e comunistas derrubam o império e proclamam a república. Nesse momento, as tropas alemãs, apesar de posicionadas em território inimigo, não tinham mais condições de ganhar a exaustiva guerra, pela insuficiência de recursos e esgotamento físico – obra principalmente da incompetência de seus generais, que governavam a Alemanha até aquele momento. Essa mesma elite militar alemã, oriunda de uma tradição militarista prussiana, iria ser um dos pilares do futuro regime nazista.
A república, chamada de República de Weimar, liderada pelos social-democratas e proclamada graças à pressão dos comunistas, aceitou o armistício proposto pelas potências aliadas no Tratado de Versalhes, que infringiu ao Estado alemão grandes perdas territoriais e econômicas.
A partir do final da primeira guerra, é propagada profundamente entre os alemães a idéia ilusória de que judeus e comunistas foram os responsáveis pela derrota de 1918, o que iria fundamentar um nacionalismo amplamente marcado pelo ódio e intolerância, baseados na culpa e no castigo, intrínsecos à sociedade alemã (mas não apenas à sociedade alemã, e não apenas no “distante” século XX).
A crise econômica de 1929 contribuiu para o cenário que levou a ascensão dos nazistas ao poder – através do voto popular, é bom lembrar - que propunham através de seu füher uma sociedade militarizada onde os responsáveis pela derrota de 1918 tinham que ser castigados e eliminados para que a Alemanha pudesse encontrar a pureza (sobretudo racial), a perfeição e a inocência perdida, dando margem a toda espécie de atrocidades contra judeus, comunistas, estrangeiros, homosseuxais, ciganos, anarquistas e todos aqueles que os nazistas acreditavam representar uma ameaça ao seu regime - os culpados da derrota de 1918.
Na verdade, diante do fascismo qualquer um que tenha uma chama de humanidade é uma ameaça. O final desse filme todos teríamos que conhecer.