"Sem paixão não dá nem pra chupar um Chicabon."
Nelson Rodrigues

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

LEVANTA A TAÇA!!!!

POEMA EM LINHA RETA

    Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
    Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

    E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
    Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
    Indesculpavelmente sujo,
    Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
    Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
    Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
    Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
    Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
    Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
    Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
    Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
    Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
    Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
    Para fora da possibilidade do soco;
    Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
    Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

    Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
    Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
    Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

    Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
    Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
    Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
    Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
    Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
    Ó príncipes, meus irmãos,

    Arre, estou farto de semideuses!
    Onde é que há gente no mundo?

    Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

    Poderão as mulheres não os terem amado,
    Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
    E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
    Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
    Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
    Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

    Álvaro de Campos

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Mensagem na Garrafa




Toda segunda-feira quando vou para o trabalho, passo de ônibus pela frente do bar que costumo freqüentar na Lapa às 5 da manhã, só que na segunda-feira estou indo trabalhar, e nos dias que freqüento o bar, dificilmente fico até esse horário. Ontem era feriado e por coincidência eu estava sentado no bar bebendo a derradeira às 5 da manhã, quando passa pela minha frente o ônibus que eu pego para ir ao trabalho. Olhei com atenção para as pessoas que olhavam pela janela do ônibus. Lá dentro do ônibus, vi um sujeito sonolento que parecia olhar com certa inveja para mim ali sentado. O cara parecia um pouco mais velho que eu e estava bem sério, enquanto eu, ali na mesa sentado, carregava um leve sorriso no rosto, próprio da embriaguez constante de horas. Isso me deixou meio sem jeito, fiquei com receio que meu sorriso agredisse a sua seriedade, até porque o cara parecia um sujeito honesto. Parecia tão cansado quanto eu, mas seu cansaço era diferente, era aquele cansaço de quem acordou cedo para ir trabalhar, enquanto o meu era o bom cansaço de quem cumpriu sua missão de resistência festivo-etílica na noite da Lapa.
Eu ali sentado à mesa, a derradeira companheira à minha frente, olhei bem nos meus olhos na janela daquele ônibus, e me ofereci um brinde.